A importância de um espaço de confiança, força e amorosidade masculina

Tempo de leitura: 9 minutos

Nossa primeira entrevista foi com o Conselho Diretor do Homens em Conexão, nessa ocasião representado por Fábio Barros, Fernando Aguiar, Leonardo Figueiredo, Paolo Chirola e Paulo Amorim, mas com ausência de Virgílio Andrade e Rafael Gonçalves. Nessa entrevista, eles nos contam como surgiu o Homens em Conexão, falam sobre a importância do trabalho que realizam e de sua missão em construir um espaço de de confiança, força e amorosidade masculina.

Por Mateus Rodrigues

Foto do Encontro Aberto do HemC em agosto de 2018

Por que e como foi a criação dos Homens em Conexão?

Paolo – A Casa dos Homens já estava trabalhando com homens há alguns anos, mas nós sentimos a vontade de estender o trabalho para abranger horizontalmente outros homens, sem necessariamente criar um grupo terapêutico. Aí tivemos a ideia de usar o documentário do Netflix The Mask You Live In como uma maneira de promover uma noite de cinema e depois fazer um debate. Nesse dia foram muitos homens e a conversa foi bem empolgante, as pessoas se sentiram tocadas pelo documentário e pelo clima do grupo. Então daí nasceu já a ideia de dar uma continuidade com ações mais horizontais e não necessariamente terapêuticas ou com grupos fixos.  

Fernando – Disso surgiu a ideia de criar um grupo de Whatsapp para continuarmos a discussão daquele dia. E assim foi feito, o Paolo criou o grupo e o nome “Homens em Conexão” apareceu a partir da conversa. Bem, um tempo depois, quando eu fui para Austrália em outubro de 2017, eu mandei uma foto do Menergy – um retiro de três dias para homens – e o Fábio fez a provocação de fazermos um aqui. E quando eu cheguei, eu fiz essa mesma provocação pro grupo e foi quando decidimos que iríamos fazer mesmo um evento desse tipo. 

Leonardo – A gente fechou a nossa comissão com nós 7 mais o Cadu [Carlos Eduardo Paes Landim] e o Ebert [Duran]. Aí nós já pensamos em fazer logo um grande encontro, mas em outra reunião vimos que era melhor a gente fazer primeiro um encontro menor. Nisso alguém deu a ideia de chamar os outros grupos de homens e foi assim que fizemos o primeiro encontrinho, nessa perspectiva de trazer os outros grupos que já existiam. Foi um sucesso e teve uma repercussão muito grande! 

Depoimento de homem sobre o espaço de confiança força e amorosidade masculina

Fábio – O primeiro encontrinho foi muito forte pra mim, eu terminei o dia em êxtase, não só pelo evento ter sido realizado mas pela força amorosa que rolou ali. Foi uma identificação e uma sinergia muito grande, desde o começo, eu senti como se todo mundo tivesse esperando aquele momento e ele finalmente tivesse acontecido. 

Qual a importância que vocês vêem de se ter hoje um espaço de confiança, força e amorosidade masculina entre os homens? 

Leonardo – Eu escuto muito dos homens que até então eles não tinham um espaço de confiança para poderem se abrir e falarem de si mesmos ou pra ouvir outro homem que tem a mesma dificuldade que eles. E percebendo o acolhimento que se tem, é possível até ter uma outra perspectiva de vida, em que eu posso falar da minha dor e ver que outros homens também sentem a mesma dor, a mesma solidão ou o que quer que seja.

Isso tá bem dentro do que a gente tem como missão, que não é só formar os grupos, mas promover encontros e ir aos poucos reformulando nossa masculinidade. É a partir desses encontros que a gente pode se expressar mais, a gente pode falar mais, a gente pode sentir, se tornar presente na nossa própria vida e na das pessoas à nossa volta com mais humanidade e com mais amorosidade, exigindo menos da gente. Então esse espaço de confiança e acolhimento nos permite, enquanto homens, ir à frente e ter uma real expressão de nós mesmos.

Espaço de confiança, força e amorosidade entre homens
omento no salão no Grande Encontro Homens em Conexão 2019

Fábio – Esses são espaços de libertação para o homem, nesses espaços eu falei coisas que eu nunca tinha contado na vida e que eu só senti confiança de falar ali. É onde eu me revelo, onde eu posso falar de mim, falar do que eu sinto, e não só das coisas ruins, mas também das coisas boas, das minhas vitórias. Foi aí que eu fui aprendendo a poder expressar minha sensibilidade, a minha humanidade, a ser mais humano. E é também um espaço de exercitar o cuidado, afinal, ali os homens estão sendo cuidados e estão cuidando um dos outros.

Eu nunca recebi tantos cuidados de homens como eu recebi ali. Foi perceber que eu também posso cuidar e receber cuidado de outros homens! Além disso, eu vi nesses espaços confidências muito fortes, coisas que eu teria muita vergonha de dizer, mas ouvindo aqueles homens e senti uma coragem muito grande pra poder assumir as minhas dificuldades de uma outra perspectiva. 

Paolo – Eu quero acrescentar que é esse o espaço que vem para ajudar os homens a sair do silêncio, daquele silêncio de que fala o documentário O Silêncio dos Homens. E os homens saem do silêncio quando tem um espaço de amor, de confiança, de encontros, etc. 

Que silêncio é esse que homens têm? 

Paolo – Eu diria que é um silêncio de séculos de distanciamento dos sentimentos, do sentir, do expressar, do ter que aguentar ou de ter que levar adiante a todo custo, de ter que ser forte, de ter que ser viril e “comer” muitas mulheres, enfim, de “ter que”. Acho que tem um peso nesse “ter que”, ocupar esse lugar de homem que é muito pesado e, com isso, os homens foram construindo oralmente um pacto de silêncio onde não se fala das fragilidades, não se fala dos problema íntimos, das falhas; e eu acho que nós estamos em um momento da história em que os homens começam a questionar isso.

Como a gente já falou muitas vezes, isso aconteceu muito a partir do movimento das mulheres, que como sempre estão alguns passos à frente. Então esse movimento feminino fez com que nós percebêssemos que chegamos num ponto de crise, e os homens agora estão começando a também olhar para todo o sofrimento que eles carregam.

Depoimento de homem sobre o espaço de confiança força e amorosidade masculina

Fernando –  Eu acho que esse espaço de força, amorosidade e confiança nos ajuda a resgatar nossa força positiva e nossa amorosidade. Porque isso diz muito sobre esse silêncio dos homens: nós não nos deixamos criar esse espaço entre nós! Como é esse amor e esse cuidado vindo de homens? Porque é como se eu não pudesse amar homens, tem alguns homens que eu até posso confiar, mas é quase como seu eu confiasse desconfiando, porque eles vão me sacanear… eu confio mas pode vir uma sacanagem. Me lembro de quando eu era menino e ia dormir na casa de um amigo, quem dormia primeiro levava uma pasta de dente na cara, era uma tensão da porra.

Paolo – Tem um problema que a geração mais nova sofre que é um pouco o inverso do que se escuta. Muitos homens associam a força unicamente à violência, à opressão, ao machismo… tudo isso que a gente realmente carrega querendo ou não. Porém na hora que em que a gente nega essa força porque ela tá na sua distorção, nós estamos negando uma qualidade importante do ser homem. E esse é outro silêncio, não é só o silêncio do sentir mas também aquele de não poder expressar a sua própria força, que é a nossa potência de se colocar no mundo, de usar a energia positivamente! Acho que essa é outra dor muito importante ligada ao silêncio dos homens.  

Muitos homens hoje passam por uma crise de identidade e não querem mais assumir os antigos padrões de masculinidade, mas tampouco sabem onde se referenciar. Como os homens em conexão ajudam nessa questão? 

Paolo – A gente já falou muito sobre isso né, porque esse espaço de amorosidade, de confiança e de força é a base para que todos os homens, independente de qualquer coisa, se sintam parte, e isso é transformador por si só. O pertencer, o sentir que você pertence, que tem vínculo independentemente de sua condição é maravilhoso, acho que isso é curador e transformador. 

Depoimento de homem sobre o espaço de confiança força e amorosidade masculina

Fábio – O grande legado desse movimento é que todas as manifestações de masculino são legítimas, não tem certo e não tem errado, mas claro, sempre dentro de uma perspectiva do que é saudável. Eu acho que no meu caso eu não fiquei procurando padrões, eu não preciso seguir um modelo, eu encontrei o homem que quero ser dentro de mim mesmo. E eu me senti pertencente àquele grupo de homens sem precisar me enquadrar em nada, em nenhum esquema, em nenhuma religião, eu só precisava ser eu mesmo.

Paulo – Eu diria que temos de sair da fase da criança que fica buscando a todo instante referências – que quer um modelo pra seguir – para o homem que se expressa da forma que ele quer: seja pintar a unha de preto ou usar um brinco, seja malhar e ficar hipertrofiado, seja o que for. Então tem essa coisa do amadurecimento da expressão do homem.

O que vocês teriam a dizer a um homem que nunca participou de nada parecido? 

Fábio – Se fosse a há 10 ou 15 anos atrás eu não teria participado de nada disso. Eu veria com muita desconfiança, porque eu era muito fechado para esse tipo de proposta. Então eu entendo muito bem a desconfiança que esses homens têm a partir da minha própria experiência. Mas o que eu diria para eles é: experimente! Experimente entrar nesse espaço, ouvir as histórias que os homens têm a contar e a se indagar sobre o que essas histórias dizem sobre você também! 

Paulo – Acho que eu faria um questionamento: o que você procura? Tá a fim de se encontrar, de buscar seu interior, sua inteireza? Esses são lugares que a gente tem pra olhar um pouco pra isso… Bem-vindo!

Saiba mais sobre a história, o propósito e as ações do Homens em Conexão

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Willy
Willy
3 anos atrás

Eu já disse em várias rodas de partilha de grupos de homens mas faço questão de reafirmar. Em quase 50 anos de vida, a primeira vez que me senti realmente um HOMEM foi no 1º Encontrão. Gratidão eterna !

Lucas
Lucas
3 anos atrás

Cara q maravilhoso! Descobri que existiam grupos de homens pra conversar sobre masculinidade a uns 3 dias e de lá pra cá a minha vida mudou de cabeça pra baixo. Essas conversas tem q expandir, tem q estar em todas as plataformas possíveis, exercer e conversar sobre uma masculinidade saudável é necessária. Não parem nunca, não desanimem e muito obrigado por estarem fazendo a diferença hj por um lugar melhor no mundo pra se viver.

Observador
Observador
2 anos atrás

Sempre fui de ouvir, ajudar e, tanto homens quanto mulheres! Paradoxalmente as mulheres se mostraram racionais, via de regra e, quando disse isso a um amigo ele disse tens feminilidade e, ai vai além da competitividade tão em voga no Mercado de Trabalho, mas na libido que nos desperta! Porque barzinho e futebol entre amigos elas sempre estão atentas?: inicio marido ou namorado pedia autorização, depois elas “infiltradas” como comentarista ou bandeirinha das partidas oficiais! E como ponderou, maroto, um vendedor de loja de vestuário masculino, a namorada dele nem imaginaria que um cliente como eu: abdomem acentuado, escoliose, desperte atração dele pela discreta bunda e pernas, finalizando rindo, que não estava me cantando!